A História de Motta Coqueiro


O mais trágico erro judiciário da História do Brasil, ao contar o drama pessoal de Manoel da Motta Coqueiro, o homem inocente cuja condenação à morte acabou com a pena de morte no Brasil. 

Meados do século XIX: o norte da província do Rio de Janeiro se esmera em criar uma atmosfera digna da Corte para receber o imperador Pedro II. A aristocracia rural tem completo controle político da região em torno de Campos dos Goytacazes, estratégica por ser, ao mesmo tempo, potência agrícola e porto ilegal de escravos; nela, conquistar um pedaço de terra e fazê-lo prosperar é uma tarefa épica. 

Era um momento de grandes decisões nacionais: o Brasil acabara com o tráfico de escravos, aprovara a primeira lei empresarial do país e promulgara a primeira lei de terras, extinguindo o sistema de sesmarias.
No ano de 1852 um crime brutal abala Macabu e revolta as cidades vizinhas. Uma família de oito colonos é assassinada em uma das cinco propriedades de Manoel da Motta Coqueiro e da sua esposa Úrsula das Virgens. Todos os indícios apontam para o fazendeiro; as autoridades policiais locais e seus adversários políticos, imediatamente o acusam do crime.

A imprensa acompanha as investigações com estardalhaço e empresta a Coqueiro um apelido incriminador - a Fera de Macabu. A principal testemunha contra o fazendeiro é a escrava Balbina, a líder espiritual dos escravos na senzala da Fazenda Bananal, sob cujo catre foram encontradas as roupas ensangüentadas dos mortos. Em vez de acusada, Balbina é promovida a principal testemunha de acusação, a despeito de a lei proibir que escravos deponham contra seu senhor. 

Vítima de uma conspiração armada por seus adversários, Coqueiro é julgado duas vezes de forma parcial e condenado à morte. Logo a condenação é ratificada pelos tribunais superiores, e D. Pedro II nega-lhe a graça imperial. Pela primeira vez no Brasil um homem rico e com destacada posição social vai subir à forca.
No dia 6 de março de 1855 Coqueiro é enforcado na Praça da Luz, em Macaé. Na véspera do enforcamento recebe em sua cela um padre, a quem confessa sua inocência e revela o nome do verdadeiro mandante do crime de Macabu, que ele conhecia, mas prometera nunca revelar de público. 

No patíbulo, Coqueiro jura inocência e roga uma maldição sobre a cidade que o enforcava: viveria cem anos de atraso. A maldição se cumprirá com rigorosa precisão.

Pouco tempo depois do enforcamento descobre-se que o fazendeiro tinha sido a inocente vítima de um terrível erro judiciário. O único crime de Coqueiro fora roubar a mulher de um primo influente e contrariar alguns interesses. Após a acusação, virou alvo de tremenda conspiração política, da qual participaram polícia, justiça, igreja, governo e quem mais pôde se aproveitar da situação. A imprensa estava nesse meio.
Abalado, o imperador Pedro II, um humanista em formação, decide que dali em diante ninguém mais será enforcado no Brasil.

 

O crime 

A começar da chuvosa noite de sábado, 11 de setembro de 1852, quando seis a oito homens invadiram uma casa no meio do mato, numa pequena fazenda chamada Macabu, próxima à cidade de Macaé, no Norte do Estado do Rio de Janeiro. Em questão de minutos, o agricultor Francisco Benedito, sua mulher e seis filhos do casal (um rapaz, duas moças, duas crianças e uma menina com menos de três anos) foram assassinados. 

Dois dias depois de andar errante pelo mato, uma mulher jovem e bonita encontrou abrigo na fazenda de André Ferreira dos Santos. Era Francisca, filha mais velha do casal assassinado e a única moradora de Macabu a fugir da chacina. Francisca estava grávida do rico fazendeiro Manoel da Motta Coqueiro. A um só tempo, Coqueiro era declarado inimigo de André Ferreira dos Santos e também do agricultor Francisco Benedito, que trabalhava em terra de sua propriedade em regime de "meeiro". 

O desentendimento entre Coqueiro e Benedito ficou público após a gravidez de Francisca. O fazendeiro queria indenizar o colono pelas benfeitorias e tocá-lo para longe. Benedito relutava em fazer o acordo porque sonhava em usar o herdeiro para obter parte das propriedades de Coqueiro. Era natural, portanto, que recaísse sobre ele a suspeita de ser o mandante do crime. Suspeita que ganhou ares de verdade depois que uma escrava contou ao delegado que ouvira os outros escravos dizerem que foi Coqueiro quem os mandou fazer a chacina. 

O que não era natural nem legal, no Brasil de 1852, era que escravos acusassem seu patrão. Para conter revoltas de negros, o regime era desumanamente bruto e a própria pena de morte só sobrevivia em razão dessa repressão. Não era legal porque os escravos poderiam mentir, interessados numa condenação do senhor que os levaria à alforria. E não era natural porque, no caso de a acusação não surtir efeito, o açoite seria severo. Também não era comum que um branco, fazendeiro, rico e letrado se visse submetido a júri popular com base num inquérito que ficou pronto em apenas 90 dias e não apresentava nem a confissão do crime nem provas materiais da autoria.

 

Curiosidades 

- O enforcamento injusto do fazendeiro Manoel da Motta Coqueiro, ocorrido em Macaé, na então província do Rio de Janeiro, em 1855, provocou a extinção da pena de morte no Brasil. Quando o imperador Pedro II tomou conhecimento da inocência daquele homem a quem tinha negado a graça imperial, decidiu que ninguém mais seria executado no país. Com o erro judiciário de Coqueiro, Pedro II, um homem que fazia questão de ser e parecer justo, passou a atender a todos os pedidos de graça e a comutar todas as penas capitais proferidas, primeiro, contra homens livres e logo após contra escravos, mesmo os que cometiam os crimes mais hediondos. Então, cronologicamente Coqueiro não foi o último homem enforcado no Brasil, mas moralmente o foi, porque sua execução foi determinante para a abolição da pena de morte no país. 

- O Brasil foi o primeiro país a extinguir a pena de morte por uma decisão de foro íntimo do imperador. O princípio legal que estabelecia a pena de morte, entretanto, continuou subsistindo no Código Criminal até a proclamação da República. Segundo os historiadores do Direito Penal, o primeiro país a extinguir legalmente a pena de morte foi Portugal, em 1867; no Brasil, nenhum homem livre era mais executado desde fins da década de cinquenta. Logo, o Brasil foi o primeiro país a abolir a pena de morte, embora em caráter informal. Como à época a lei obrigava que todo condenado à morte apelasse à graça do imperador, o poder de Pedro II era suficiente para garantir que ninguém mais seria executado no Brasil, mesmo que a lei continuasse subsistindo - bastava que o imperador concedesse as graças pedidas.

- No momento da execução, ocorrido na cidade de Macaé, Coqueiro rogou uma maldição secular sobre a cidade que o enforcava: ficaria cem anos sem se desenvolver. Prevaleceu, a partir daí, o sentimento de dor coletiva que sucede toda execução - Macaé viveu cem anos de torpor, de um consciente arrependimento coletivo. Não se desenvolvia por uma série de razões estruturais e conjunturais que acometiam todos os pequenos municípios então existentes no país. Mas os macaenses não pareciam (ou não queriam) entender assim: para eles, todos os problemas, coletivos ou individuais, eram atribuídos à maldição; todas as desgraças eram culpa da praga de Coqueiro. Numa extraordinária coincidência histórica, no justo momento em que a maldição vencia, em 1955, a recém-fundada Petrobras começava pesquisas que, vinte anos depois, revelariam as maiores reservas brasileiras de petróleo na chamada Bacia de Campos, que fica no mar, bem em frente... a Macaé.

 

Fonte: A Fera de Macabú – Carlos Machi